De tão nervoso, não conseguiu disfarçar a ansiedade. Os colegas disseram que estava pálido. Depois de três anos e nove meses, Davi Francisco Pereira, 38 anos, teve permissão para sair sozinho. A alegria veio em dose dupla. O primeiro dia de liberdade provisória, na semana retrasada, foi também o primeiro dia de aula na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), em Dois Irmãos, Zona Norte do Recife. Aprovado na licenciatura em física, Davi prefere não mostrar o rosto e agora só pensa no futuro. Conta os dias para deixar a Penitenciária Agrícola São João, em Itamaracá, tornar-se professor e retomar a vida com a família. O primeiro passo ele já deu.
"Quando se está num presídio, a coisa mais fácil é se especializar no mundo do crime. Sabia que dependia de mim fazer diferente para não me tornar igual aos outros. Eu não era o que a Justiça dizia. Sempre gostei de estudar e me dediquei na prisão", contou Davi. Ele foi condenado a 13 anos, acusado de ser coautor de um homicídio, ocorrido em 1994, quando tinha 21 anos. "Não participei desse crime. Um sobrinho meu estava envolvido e a polícia me colocou na história", assegurou. A condenação veio em 2001, mas ele não foi preso.
Em 2007, durante a Operação Canaã, uma nova acusação. "Grampearam meu telefone. Um primo estava envolvido com grupo de extermínio (Os Thundercats, de Jardim São Paulo, Zona Oeste do Recife). Como ele telefonava muito para mim, me prenderam porque entenderam que eu fazia parte do grupo. Mais uma vez, eu era inocente", garantiu Davi. Quando a polícia levantou a vida dele, encontrou o mandado de prisão que não havia sido cumprido. "A polícia não me prendeu antes porque não quis. Sabiam meu endereço e não foram atrás. Como tenho a consciência tranquila, nunca fugi", comentou o rapaz.
Davi foi absolvido da segunda acusação, mas teve que cumprir a pena referente ao homicídio. Antes de ficar confinado, ele havia passado no concurso da Polícia Militar de Pernambuco, em 1998, mas foi expulso quando viram que ele tinha antecedentes criminais. No ano seguinte, ingressou no curso de eletrotécnica na antiga Escola Técnica de Pernambuco (hoje Instituto Federal de Pernambuco). Outra conquista foi a aprovação no concurso para os Correios. Davi trabalhou como carteiro de 2002 a 2007, quando houve a prisão.
No Presídio Aníbal Bruno, no Sancho, Zona Oeste do Recife, ingressou nas turmas do ensino médio, mesmo já tendo concluído esse nível de ensino. Em 2009, soube que poderia fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), aplicado pelo Ministério da Educação (MEC). Mais: que poderia, com a nota do Enem, concorrer a uma vaga nas universidades federais que substituíram o vestibular pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu).
"Não desperdicei a oportunidade. No vestibular da UFPE não há provas em presídios. Com o Enem poderia concorrer a cursos na Rural", relatou. Não passou na primeira tentativa. Fez de novo o exame ano passado. Com a notícia de que teria progressão do regime fechado para o semiaberto, animou-se e se candidatou às vagas desse semestre. Conseguiu. "Foi só comemoração quando minha esposa contou que eu tinha passado. Graças a Deus o juiz me liberou e estou hoje na universidade."
DIFICULDADES - De Itamaracá para a Rural, Davi pega três ônibus na ida e quatro na volta. Sai da ilha por volta das 16h para chegar à universidade duas horas depois. Assiste às aulas no turno noturno. Retorna para a penitenciária no fim da noite. O custo com passagens é alto para sua realidade financeira, R$ 6 por dia, R$ 30 por semana. Penúltimo filho de uma família de 18 irmãos, ele conta com a ajuda dos pais, dos irmãos e da esposa para pagar as passagens. Sua preocupação agora é que os professores passam exercícios por e-mail e recomendam acessos a páginas na internet. "Não tenho permissão para usar computador na penitenciária. Mas não será essa dificuldade que vai atrapalhar. Quero me formar, fazer um mestrado, quem sabe ensinar na universidade. Minha família, meus filhos, vão sentir orgulho de mim".
Nenhum comentário:
Postar um comentário