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terça-feira, 28 de setembro de 2010

Ficha-Limpa, pequena Lei, falsa retórica



A conhecida Lei Ficha Limpa pode até ser considerada por alguns um avanço na sociedade brasileira, já que fruto de mobilização popular, reveladora de certo amadurecimento político, institucional e cidadão.

Até pode para os mais incautos, acríticos ou desinformados.

Mas lamento afirmar: a Lei Ficha Limpa é repleta de fragilidades, não ataca de todo o cerne pandêmico da corrupção nacional e, do ponto de vista jurídico, ameaça a estabilidade e a segurança das regras eleitorais no Brasil.

Vários são os argumentos capazes de ilustrar a afirmação que faço. E meu ofício aqui não é simplesmente desacreditar esta Lei, que contém grande carga simbólica, mas é pontual e ineficaz em sua efetividade primária ou permanente.

Meu desejo é colaborar com o debate, amplificando o eco de vozes em defesa da probidade e da decência dos postulantes e ocupantes de cargos públicos. Todos desejamos políticos honestos e capazes, e seria inimaginável defender o contrário.

Mas porque a Lei Ficha Limpa é inconsistente? Entre os muitos argumentos, exponho três, para mim, centrais.

Primeiro – A Lei Ficha Limpa encobre a morosidade de nosso Judiciário.

Se todos os acusados fossem julgados em tempo hábil, com garantia de pleno contraditório e defesa, e após este trâmite sofressem condenação criminal transitada em julgado, não haveria políticos “ficha-sujas” de modo banal, como discrimina a Ficha Limpa.

Haveria, com justiça e propriedade, homens públicos com direitos políticos cassados, banidos da cena eleitoral enquanto durarem suas condenações, como prega nossa Constituição.

Logo a Lei Ficha Limpa em verdade não inova e, ao revés, desrespeita regras constitucionais postas em nome de uma moralidade às avessas. Moralidade que esconde a lentidão de um Poder Judiciário que agoniza e que não corresponde às expectativas do povo, não sendo de todo inútil lembrar que justiça tardia é sinônimo de injustiça.

Segundo – A Lei Ficha Limpa não garante que os atuais “fichas-limpas” não se “sujem” nos exercícios de seus mandatos.

Esta triste sina da política nacional só será enfrentada quando se quebrarem mecanismos como o da imunidade parlamentar, hoje existente diante da legislação em vigor.

Ou seja, a Lei Ficha Limpa não protege a sociedade daqueles políticos que somente são considerados “fichas-limpas” porque são ou foram protegidos por engrenagens como esta, arcaica em nosso sistema democrático.

Ainda a referida Lei dá status de dignidade e probidade política a quem efetivamente não o tem, sendo o reverso também verdadeiro. E, assim, a Lei Ficha Limpa pode enlamear aquele que no futuro pode ser absolvido se processado.

Ser “ficha-limpa” transformou-se em sinônimo de requisito, quando na verdade deveria ser pressuposto! A honestidade não é qualidade, mas condição de todo homem público. Mas só isso não basta. Vemos palhaços-candidatos ou candidatos-palhaços, todos “ficha-limpa”. E isto nos basta?

Terceiro – A Lei Ficha Limpa, para ganhar a nobre nomenclatura de Lei, não pode se diferenciar do sistema jurídico nacional.

Se a regra diz que as alterações no sistema Lei Eleitoral só valem após um ano de sancionadas, qual o porquê de se iniciar a vigência desta Lei em um prazo inferior aos 12 meses?

O apelo popular, no caso da Lei Ficha Limpa, pode ser bonito (!) em nossa jovem nova democracia. Mas, mesmo no popular, "beleza não põe mesa"! E, historicamente, outras normas legais de apelo "do povo" se mostraram descabidas a posteriori.

Permitam-me a provocação: neste cenário, se vivesse no Brasil nos tempos atuais, o grande Nelson Mandela estaria, em tese, inelegível, já que condenado era, já que em “ficha-suja” seria convertido. E lembremo-nos, sem alarde e sem tom apocalíptico: o nazi-facismo e outros regimes de exceção tinham, em suas épocas, grande aprovação nas ruas.

Necessário se faz pensar, refletir, ponderar!

A questão central é nossa liberdade democrática de escolha. Nossa gente brasileira vem aprendendo com os erros, traumas e feridas não cicatrizadas. É a pedagogia das urnas a qual, infeliz ou felizmente, ensina-se e se aprende com a prática, mas principalmente com educação ampla e de qualidade e com a urgente redução da miséria que ainda nos assola enquanto povo e nos diminui enquanto cidadãos.

Vulnerabilidades, estas sim, que sujam nossas vidas, emporcalham nossos sonhos, mancham nosso futuro.

A Lei Ficha Limpa deve ser encarada como estágio inicial em um processo muito maior de ação e mobilização. Mas como primeiro passo ela é pouco vigorosa do ponto de vista normativo e, por isso, recebe de mim, com humildade, esta crítica construtiva e embasada.

Em tempos de espetacularização da vida pública, não queiramos, com o falso apelo de um moralismo retórico, abalar as bases da justiça, afetar a garantia da presunção de inocência ou mudar a consistência do conceito de processo eleitoral.

Welton Roberto

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