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terça-feira, 5 de abril de 2011

Sobre militares, regulamentos e prisões


Olá, pensadores!

Há um certo tempo, sustento a tese de que o modelo militar não serve para o combate à criminalidade, nem para a defesa civil, urbanas. A razão é simples: os militares, na essência, foram formados para avistar inimigos e extirpá-los, sem dó, nem piedade, respeitando, apenas, as próprias leis da guerra. Trata-se de Força de Defesa, assecuratória da soberania de um Estado perante outro e não de Segurança Pública.

A hierarquia e a disciplina, bases das instituições militares, fazem todo sentido no contexto de guerra, onde a unicidade de comando e a obediência devem ser enfatizadas, sob pena de toda a estratégia de ataque ou defesa ir por água abaixo – e com ela a soberania do Estado. Portanto, a idéia que se tem de hierarquia e de disciplina militares está ligada às questões eminentemente técnicas, a assuntos envolvendo a própria segurança e estratégia militar. É uma forma de manter o grupo armado coeso, focado, unidirecionado. E, nesse sentido, a voz (ou a ordem) do comandante é como se fosse a determinação do juiz: desde que legal, não se questiona, cumpre-se!

A invenção brasileira de forças militares como polícias urbanas e defesa civil tem prós e contras, certamente, mais estes que aqueles. É que, se no início da formação e ocupação do território brasileiro foram as forças militares estaduais que permitiram a governabilidade das províncias e, no período militar, tiveram papel preponderante, hoje, este modelo, além de improdutivo (é só analisar os números de Segurança do país), revela-se incompatível com a atual estrutura da sociedade, mormente num cenário político regido por uma Constituição que garante liberdade de expressão e outros direitos tidos como democráticos.

Não é de se estranhar, por isso, que os centros de formação dos militares estaduais, mormente no período pós-ditadura, entraram numa severa crise existencial, que perdura até hoje, e se perdem ao oferecer aos profissionais que vão lidar com a segurança de civis uma formação tipicamente militar, com tratamentos e treinamentos visando a aniquilação de forças inimigas e, por isso, absurdamente apoiados nos repetidos pilares de hierarquia e disciplina. Neste modelo inclui-se, também, a obediência e a indiscutibilidade de assuntos não técnicos, não militares, como a própria condição de servidores públicos dos integrantes da Corporação, situação mitigada com a também esdrúxula formação das hoje populares associações militares que, em vez de funcionarem como sedes recreativas, atuam como verdadeiros sindicatos de classes, coisas que a Carta Cidadã, expressamente, proíbe.

A verdade é que quando se formulou a aplicação da hierarquia e disciplina em instituições estaduais não se havia cogitado que, num determinando ponto da história, os militares estariam discutindo, na condição de meros servidores públicos, seu poder de se expressar, de cobrar condições de trabalho mais dignas ou de reclamar melhores salários. É justamente nesse ponto que o sistema entra em choque: afinal, o militar estadual, sujeito à obediência, à hierarquia e à disciplina, pode ou não fazer tais críticas? Ele é, ou não, amparado pelo direito de liberdade de expressão assegurado pela Constituição?

Essa questão, meu amigos, é fácil de responder: o militar goza, sim, de seus direitos civis e fundamentais, mas eles são limitados pelas regras rígidas e antiquadas que ainda subsistem nos equivocados sistema militares que a nossa própria Constituição Cidadã adotou quando trata da Segurança Pública. Limitação que se materializa, por exemplo, na exclusão de alguns remédios constitucionais, como o habeas corpus, para os casos de prisão disciplinar militar. Esta regra, como se sabe, já se encontra flexibilizada, mas demonstra a intenção do legislador constituinte. Frise-se: os militares são fundamentais para a garantia da soberania do Estado. Para o tratamento de civis, as forças de segurança deveriam ser, igualmente, civis.

Contudo, a Assembléia Constituinte não quis assim, cabendo-nos aceitar a decisão democrática. E foi essa decisão democrática que fez com que a mesma Carta Política que assegura direitos fundamentais, entre eles, a liberdade de expressão, edificasse um sistema de Segurança Pública sustentada em instituições militares, que, por sua vez, são fundadas na hierarquia, na disciplina e na obediência, e que, por isso, sofrem algumas limitações por força da própria ordem constitucional.

Assim, o ocupante de uma vaga do serviço público, no serviço militar estadual, desde seu ingresso, é informado de seu novo rol de direitos e deveres. Entre aqueles, o de se aposentar aos 30 anos de serviço, com aposentadoria integral; o de gozar da estabilidade do serviço público; de ter licenças especiais a cada qüinqüênio trabalhado, entre outros. Entre os deveres, o de se submeter a uma pré-histórico Código Penal Militar e a um Regulamento Disciplinar igualmente jurássico. Isso é assim em todo o Brasil, repito, por força da Carta Cidadã.

No caso de Alagoas, o Regulamento Disciplinar é um conjunto de normas, aprovado em 1996 por Decreto Estadual. Muitas das regras são obsoletas e foram copiadas de antigos regulamentos das Forças Armadas. Contudo, é uma norma plenamente em vigor e que teve sua constitucionalidade recentemente declarada pelo Tribunal de Justiça de Alagoas.

Pois bem. É a esse regulamento que o mais recruta dos soldados e o mais antigo dos oficias sabem que vão ter que observar, enquanto forem militares. Um regulamento cheio de regras caducas, mas que diz claramente a todos os integrantes da Corporação as condutas que, se praticadas, lhes renderão punição administrativa.

Exemplo disso é o que diz o inciso VI, do art. 32, que considera transgressão grave, punida com prisão, “censurar ato de superior ou procurar desconsiderá-lo”, ou o inciso XVI, do mesmo artigo, que também considera falta grave “discutir ou provocar discussões, por qualquer veículo de comunicação, sobre assuntos políticos, militares, ou policiais-militares, excetuando-se os de natureza exclusivamente técnica, quando devidamente autorizados”. Há ainda, no mesmo art. 32, o item XLVII que reputa como grave o ato de “publicar ou contribuir para que sejam publicados fatos, documentos ou assuntos policiais-militares que possam concorrer para o desprestígio da Corporação ou firam a disciplina ou a segurança”.

Ressalte-se que não quero aqui fazer distinção entre o militar que faz críticas na imprensa por estar, simplesmente, revoltado com suas péssimas condições de trabalho e entre aquele que, por já não mais fazer parte da estrutura de comando do governo, por pertencer a grupos políticos divergentes e ter outros interesses em mente, faz as mesmas críticas. As motivações do militar, embora sejam importantes para que se compreenda alguns casos concretos, não seriam determinantes para a sujeição à prisão disciplinar. Importa é que o regulamento disciplinar, que o militar voluntariamente aceitou obedecer quando ingressou na Corporação, veda tal conduta.

Sem dúvidas, a Constituição Federal se equivoca quando construiu um sistema de Segurança Pública com forças militares para fornecer à população um serviço público. Primeiro porque tais servidores, em nada, se diferenciam dos demais que prestam iguais serviços públicos. Depois, porque não parece aceitável que apenas os anômalos militares estaduais tenham podado seu direito de expressão, sendo sujeitos, como todas as outras classes, a eventuais descasos e à precariedade. O problema, como dito, não está no militarismo, mas na sua aplicação nas unidades federativas.

O PM ou bombeiro consciente desse equívoco tem três opções: reconhecer sua incompatibilidade com o sistema e pedir para sair; adequar-se aos antiquados regulamentos e os observar; ou, dentro de um processo legítimo, tentar convencer e persuadir mentes a atualizar os códigos e regimentos, tarefa extremamente difícil dada a solidez do lobby militar e, sobretudo, devido aos grupos políticos civis que continuam fazendo questão de manter os militares, do jeito que são, ao seu lado, bem ao alcance de suas mãos.

No final das contas, quem sofre é a população, afinal, as críticas dos insurgentes, se verdadeiras, apenas demonstram que o serviço público não foi ofertado como deveria. Portanto, em vez da euforia de discursos revolucionários ou inflamados por uma pseudo onda democrática, contra arbitrariedades e coisa similares, como se isso fosse construir um Estado mais seguro ou com melhor estrutura para evitar ou amenizar tragédias, sobretudo em casos que o interesse partidário é tão evidente, a sociedade civil e os setores políticos deveriam aproveitar o ensejo para discutir e rever a verdadeira estrutura do sistema de Segurança Pública e da Defesa Civil previsto na Constituição. O difícil é saber, entre civis e militares, a quem interessa fazer tal revisão.

Silvio Teles

Silvio Teles é jornalista, formado pela UFAL; é oficial da PM de Alagoas, graduado pela Academia de PM daquela Corporação.

Fonte: http://cadaminuto.com.br/blog/silvio-telles

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